Quando Francisco Ferdinando (Franz Ferdinand) desembarcou em Sarajevo (capital da Bósnia) naquele 25 de junho de 1914 não imaginava o que o aguardava, nem imaginaria o destino que o mundo tomaria após os eventos sombrios dos dias subsequentes. Destinos foram traçados aquele dia, não somente o destino do príncipe, nem do terrorista Sérvio Gavrilo Princip, mas o de milhões de vidas ceifadas em campos de batalha por toda a Europa pelos quatros anos seguintes.
Franz Ferdinand era filho do arquiduque Karl Ludwig, irmão do então imperador Austro-Húngaro Franz Joseph I, e da princesa Maria Anunciata. Sua trajetória começa em 31 de janeiro de 1889 quando o príncipe herdeiro de fato (Rudolf de Habsburgo) cometeu suicídio tornando, assim, o pai de Franz (Karl) o herdeiro ao trono dos dois reinos. Contudo, o arquiduque renuncia ao direito da sucessão monárquica em favor de seu filho que, a partir daquele momento, começou a ser preparado para se tornar o sucessor do rei e imperador Franz Joseph.
Franz Ferdinand em seu período de preparação (1895)
Nesta época, a Sérvia tinha pretensões de se livrar do domínio do Império Austro-Húngaro e instalar a Grande Sérvia, tornando, assim, parte da região Balcânica sob uma única bandeira e liderada pelos Sérvios. Todavia, eles precisavam libertar-se do domínio Austríaco. Para o oficial de inteligência do exército sérvio e fundador da sociedade anarquista “Mãos Negras”, Dragutin Dimitrijevic, só havia uma maneira de conseguir os seus objetivos: assassinando membros da realeza.
Dragutin Dimitrijevic
Foi sob este pensamento que, no ano de 1903, Dimitrijevic e seus conspiradores planejaram e executaram com sucesso o assassinato do Rei da Sérvia, Alexandre Obrenovic, por considerá-lo um monarca muito próximo aos interesses dos opressores austríacos. Este episódio chocou a sociedade ocidental, visto que, durante a coroação do novo rei da Sérvia Petar I ( Pedro I ), somente dois países enviaram emissários para o evento: a Rússia czarista e grande apoiadora dos países eslavos e a grande (e inimiga) a Áustria.
Alexandre Obrenovic, rei da Sérvia
Dragutin e seus seguidores souberam, então, que Franz Ferdinand visitaria a Bósnia no mês de Junho de 1914 para monitorar as manobras de seu exército nas colinas próximas de Sarajevo. O Sérvio então deu autorização para que os membros de sua sociedade colocassem em prática um audacioso plano para matar o herdeiro do trono real. Os conspiradores estavam em 7 pessoas, entre elas Gavrilo Princip, e tinham à sua disposição 4 pistolas e 6 granadas fornecidas pelo Major Vojislav Tankosic. Este, por sua vez, assim como o líder da inteligência sérvia, também fazia parte dos Mão Negra. Todo esse arsenal seria empregado para a realização do assassinato de Franz Ferdinand.
Major Vojislav Tankosic
O Plano e sua execução
O plano dos anarquistas era de atacar o arquiduque no dia 28 de junho, durante o deslocamento que este faria da estação ferroviária para a prefeitura de Sarajevo. O primeiro dos terroristas ficou na ponte Cumurja armado com granadas e o restante ficaram em outros pontos da rota oficial. O terrorista, ao avistar o carro de Franz, lançou suas granadas em direção ao carro real, porém sem êxito. O ataque atingiu somente os membros que vinham no carro posterior ferindo duas pessoas gravemente.
A comitiva foi, então, para a prefeitura onde o prefeito os aguardava para dá-los boas vindas à Sarajevo. Durante seu discurso, o prefeito foi interrompido pelo arquiduque que disse:
“Sr. Prefeito, o que há de bom em seus discursos? Eu venho a Sarajevo em uma visita amigável e tenho bombas atiradas contra mim. Isto é Ultrajante!”
Ao lado da mulher, o arquiduque Ferdinand passeia em Sarajevo horas antes do assassinato
Após o discurso e o encontro com o prefeito, Franz exigiu ver os feridos no hospital local, porém, por recomendação do Governador da Bósnia, Oskar Potiorek, o comboio devia tomar uma rota alternativa para o seu destino evitando assim as multidões do centro da cidade. Entretanto, sem o aviso oficial, o motorista seguiu os planos de rota originais. O motorista, ao errar de endereço, virou na esquina da Rua Franz Joseph, justamente onde Gavrilo Principtomava um café, prestes a retornar para a sua casa. O carro com o arquiduque tentou, então, retornar para a avenida principal, visto que aquela rua não estava em seus planos. Foi justamente o momento que Gavrilo Princip esperava. Princip usou sua pistola e atirou várias vezes contra Franz Ferdinand e sua esposa, Sofia, ferindo o primeiro na região do pescoço e sua esposa na região do Abdômen. Ambos morreram a caminho do hospital.
Gavrilo Princip
O arquiduque ainda estava vivo quando testemunhas chegaram para socorrê-lo, mas expirou pouco depois, dirigindo suas últimas palavras à esposa: “Não morra, querida, viva para nossos filhos.” Assessores ainda tentaram abrir sua farda, mas perceberam que teriam que cortá-la com uma tesoura. Sofia morreu a caminho do hospital. Princip utilizou-se de uma 7.65 x 17 mm Browning, de potência relativamente baixa, e de uma pistola FN Model 1910 para cometer os assassinatos.
Um relato detalhado do atentado foi descrito por Joachim Remak no livro Sarajevo:
“Uma bala perfurou o pescoço de Francisco Fernando, enquanto a outra perfurou o abdome de Sofia (…) Como o carro estava manobrando (para retornar à residência do governador), um filete de sangue escorreu da boca do arquiduque sobre a face direita do Conde Harrach (que estava no estribo do carro). Harrach usou um lenço para tentar conter o sangue. Vendo isso, a duquesa exclamou: “Pelo amor de Deus, o que aconteceu com você?” e afundou-se no assento, caindo com o rosto entre os joelhos de seu marido.”
“Harrach e Potoriek (…) acharam que ela havia desmaiado (…) só o marido parecia ter idéia do que estava acontecendo. Virando-se para a esposa, apesar da bala em seu pescoço, Francisco Fernando implorou: “Sopherl! Sopherl! Sterbe nicht! Bleibe am Leben für unsere Kinder!” (“Querida Sofia! Não morra! Fique viva para os nossos filhos!!!”). Dito isto, ele curvou-se para a frente. Seu chapéu de plumas (…) caiu e muitas de suas penas verdes foram encontradas em todo o assoalho do carro. O conde Harrach puxou o colarinho do uniforme do arquiduque para segurá-lo. Ele perguntou: “Leiden Eure Kaiserliche Hoheit sehr?” (“Vossa Alteza Imperial está sentindo muita dor?”) “Es ist nichts…” (“Não é nada…”), disse o arquiduque com voz fraca, mas audível. Ele parecia estar a perder a consciência durante seus últimos minutos mas, com voz crescente embora fraca, repetiu esta frase, talvez, seis ou sete vezes mais.”
“Um ronconota começou a brotar de sua garganta, diminuindo quando o carro parou em frente ao Konak bersibin (Câmara Municipal). Apesar dos esforços médicos, o arquiduque morreu pouco depois de ser levado para dentro do prédio, enquanto sua amada esposa morreu de hemorragia interna antes da comitiva chegar ao Konak.”
Farda do arquiduque, ainda com vestígios de sangue.
Funerais
Após o embalsamamento, os corpos de Francisco Ferdinando e de sua esposa permaneceram na Konak bersibin de Sarajevo até serem embarcados num vagão funerário, na noite de 29 de julho. O arquiduque recebeu honras militares em todas as estações por onde o trem passou, sendo transferido para o SMS Viribus Unitis na costa do Adriático. O navio foi escoltado por outros cruzadores, destroieres, iates civis, barcos de pesca e até mesmo por balsas, aportando em Trieste na noite de 1 de julho, onde os caixões foram transferidos para um trem especial com destino a Viena.
Em virtude de seu casamento morganático com Sofia, Francisco Ferdinando não recebeu em solo austríaco, nenhuma das pompas reservadas aos arquiduques mortos nem os privilégios fúnebres reservados aos herdeiros do trono. O casamento morganático é aquele em que um(a) nobre, príncipe (princesa) ou rei (rainha) desposa alguém de posição social inferior, uma pessoa de baixa nobreza ou uma pessoa que não pertence à nobreza. No casamento morganático, geralmente o nobre mantém seus títulos, e até seus direitos de sucessão, mas fora algumas excepções, estes não são estendidos ao seu consorte nem aos seus filhos.
Alguns historiadores afirmam que os atrasos ocorridos no trajeto a Viena foram deliberadamente ordenados pelo príncipe Alfredo de Montenuovo, Obersthofmeister do imperador Francisco José, para que a chegada do féretro à capital ocorresse tarde da noite e, assim, não fosse visto pelo público. Com exceção do arquiduque Carlos, novo príncipe-herdeiro e futuro Carlos I, nenhum outro membro da família imperial compareceu à estação para recepcionar os caixões de Francisco Ferdinando e Sofia. Aos chefes de estado que manifestaram desejo de comparecer aos funerais, o príncipe de Montenuovo aconselhou gentilmente que enviassem apenas seus representantes diplomáticos para “evitar agravar o delicado estado de saúde de Sua Majestade com as exigências do protocolo.”
Às 8 horas da manhã seguinte, as portas da capela do Palácio de Hofburg foram abertas para que o povo pudesse prestar homenagens ao arquiduque. Por uma concessão especial do imperador, o caixão de Sofia pôde ser colocado ao lado do caixão do marido. Entretanto, a urna de Francisco, maior e mais ornamentada, foi instalada numa altura 20 cm superior à urna da consorte e, enquanto o corpo do ex-herdeiro portava todas as suas condecorações, a espada cerimonial e a coroa arquiducal; o corpo de sua “esposa morganática” portava apenas um par de luvas brancas e um leque negro – símbolos das damas-de-companhia da corte.
Cortejo fúnebre de Francisco ainda em Sarajevo.
Como Sofia não poderia ser sepultada na Cripta Imperial de Viena, Francisco Fernando manifestou em vida o desejo de ser sepultado na cripta do Castelo de Artstetten, em Klein-Pöchlarn. Após apenas 15 minutos de ritos fúnebres, os caixões foram recolhidos e só puderam deixar Viena, em carros funerários da prefeitura, no início da madrugada, sendo embarcados em trem comum, sem honras ou escolta. Finalmente, a 1 hora da manhã de 4 de julho de 1914, os corpos do arquiduque e da duquesa foram sepultados no Castelo de Artstetten.
Os assassinatos, juntamente com a corrida armamentista, o imperialismo, o nacionalismo, o militarismo e o sistema de alianças contribuíram para a eclosão da Primeira Guerra Mundial, que começou menos de dois meses após a morte de Francisco Fernando, com a declaração de guerra da Áustria-Hungria à Sérvia. O assassinato do arquiduque é considerado a causa mais imediata da Primeira Guerra Mundial.